Recessão econômica, inflação e juros altos começam a fazer suas primeiras vítimas no mercado nacional
As oscilações de oferta e demanda proporcionadas pelas consequências da pandemia de covid19 e pela situação entre Rússia e Ucrânia estão gerando uma recessão econômica pelo mundo todo.
Isso significa, na prática, que produtos, insumos, máquinas e recurso de praticamente todos os setores estão mais caros, o que deixa os produtos que o consumidor compra mais caros também. Com isso, temos o famigerado aumento da inflação, que é basicamente o aumento dos preços para o consumidor.
Sendo um dos mais temidos inimigos da economia, a inflação pode se tornar incontrolável, pois quanto mais caras as coisas ficam, mais o trabalhador precisa de aumento e mais as empresas precisam se virar para repassar esses custos para o consumidor final, o que se torna um ciclo sem fim.
A grande arma do poder público para combater a inflação são os juros. Aumentando a taxa de juros básicos, o banco central teoricamente estimula que o consumidor guarde seu dinheiro em vez de gastá-lo, forçando as empresas a baixarem seus custos para aumentarem as vendas.
Na teoria, essa estratégia tem funcionado ao longo dos anos, mas suas consequências podem ser muito danosas para as empresas, pois estas são o elo mais fraco. Com a matéria-prima mais cara, custo de capital (empréstimos, ou seja, juros) mais caro e baixo consumo forçando os preços para baixo, as empresas são pressionadas de todos os lados nesse cenário.
Nesses momentos, somente as empresas realmente fortes, resilientes, bem gerenciadas e bem planejadas é que sobrevivem.
Exemplificando exatamente isso, temos toda a enxurrada de recuperações judiciais e falências se apresentando nesse ano de 2023: Marisa, Amaro, TokStok, Livrarias Cultura, Americanas* e Petrópolis foram as principais vitimas dessas pressões só nos primeiros três meses do ano. Além disso, no cenário internacional temos o caso da Tupperware, empresa referência em seu setor que também enfrenta risco de falência. A seguir esmiuçaremos alguns desses casos para entender exatamente o que deu errado nessas companhias e o que diferencia empresas que se mantém firmes das que não estão "aguentando o tranco".
Planejamento Estratégico
A importância do planejamento estratégico está em avaliar cenários e tendências economias, politicas, tecnológicas, sociais e culturais e identificar oportunidades e/ou ameaças resultantes de cada uma. Além disso, no planejamento estratégico são avaliados pontos fracos e fortes da empresa, e como cada um deles irá interagir com as tendências e cenários avaliados, possibilitando a empresa reagir com mais agilidade a tais movimentos e, a partir daí, traçar seus objetivos e planos de ação.
Um exemplo disso são as Livrarias Cultura, que não se antecipou em seu planejamento sobre a crescente tendência da venda de livros via e-commerce/marketplaces, nem sobre ameaças que novos entrantes nesse mercado, como a Amazon, representavam para o negócio.
Isso fez com que seu modelo de negócio permanecesse desatualizado, o que quase levou a empresa a falência no início deste ano.
Outro exemplo é a cervejaria Petrópolis, que também não soube avaliar as ameaças de seus principais concorrentes, Ambev e Heineken, e não procurou nenhuma forma de se diferenciar destes, nem de inovar em seu produto, portfólio ou modelo de negócio.
Consequentemente, agora que as pressões do mercado vieram a tona, não há mais para onde correr.
No sentido oposto, Ambev e Heineken, empresas preparadas para movimentos abruptos do mercado, já estão se posicionando como possíveis compradoras da Petrópolis, pois já anteciparam que a venda de bebidas não tenderá a aumentar nos próximos anos, pois está em um período de alta histórica no consumo de cervejas. Com isso, a compra de um concorrente poderia significar aumento nas receitas (e no market share) mesmo em um período de retração econômica.
Já a Tupperware não se preveniu do risco de novos entrantes dominarem o mercado, como está ocorrendo atualmente com produtos importados, principalmente, da China.
É importante frisar que o planejamento estratégico de empresas é algo dinâmico, que não ocorre só na constituição do modelo de negócio da empresa, mas deve ser constantemente reavaliado e reconstruído, para garantir o sucesso das organizações.
Contudo, o que garante que empresas como a Ambev e Heineken sobrevivam a períodos temerosos como o que estamos vivendo e ainda tenham caixa para comprar concorrentes é uma boa gestão de suas finanças.
Planejamento Financeiro
Além de planejar a estratégia da empresa unindo fatores internos e externos da empresa na direção desejada, é importante que a empresa saiba onde, como e quando alocar seus recursos.
Para exemplificar a importância do planejamento financeiro, temos o caso da Amaro.
A Amaro surgiu como uma startup que trazia uma experiência diferente para seus clientes: ela integrava uma modelo de varejo em lojas físicas com um ambiente digital, onde os clientes podem ver as peças de roupa nas lojas físicas e adquirir os produtos através da internet. Isso reduzia a necessidade de estoque das lojas e estava em linha com a tendência de varejo digital. Além disso, a marca buscava se diferenciar dos concorrentes através desse modelo disruptivo.
Contudo, o que faltou na Amaro foi planejamento financeiro.
Um mal que acomete tanto varejistas quanto startups é a alta dependência de capital de terceiros para sustentar o giro de caixa. Isso significa que a empresa empresta dinheiro alheio para financiar sua operação, pagar fornecedores, funcionários, alugueis e outras despesas.
Isso é "necessário" no varejo, pois a empresa precisa garantir um estoque diverso para seus clientes, acarretando um grande volume de compras que precisa ser pago quanto antes para garantir um preço menor com o fornecedor. Além disso, a empresa também precisa dar a maior flexibilidade possível para o cliente adquirir suas mercadorias, para garantir o máximo de vendas possíveis. Contudo, como cerca de 53% dos brasileiros utilizam cartão de crédito em suas compras, a empresa acaba recebendo os boa parte dos valores das vendas somente no final do mês ou muito mais tarde.
Isso significa que as despesas de compras de mercadoria, além das outras despesas da empresa, não são cobertas imediatamente pelas vendas, mesmo se a empresa tiver um bom lucro nas peças. E é dai que vem a necessidade de capital de giro.
Já em startups, a necessidade de capital de giro vem da alta taxa de crescimento dessas empresas, em que a contratação de pessoas, a expansão das operações e o investimento em marketing demora para dar um retorno concreto, e a empresa precisa de fôlego para se sustentar enquanto o resultado não vem.
No caso da Amaro, as duas coisas aconteceram. E como um bom planejamento financeiro é fundamental para uma varejista e é uma coisa rara em startups, a empresa também sofreu (e muito) com a redução nas vendas e com o aumento do custo de capital alheio.
Além disso, não só o custo mas também o acesso ao capital alheio está mais difícil, com os bancos cautelosos e criteriosos no oferecimento de linha de crédito para empresas e com a drástica redução nos investimentos de alto risco, comumente utilizado no financiamento de startups.
No caso da Amaro, um bom planejamento financeiro faria com que a empresa ficasse atenta ao nível do seu capital de giro, definindo estratégias de corte de gastos, negociação com fornecedores e redução na flexibilidade dos pagamentos em situações críticas como a atual. Além disso, o planejamento financeiro também visa criar boas reservas de caixa para sustentar o giro em eventuais crises, o que não é comum em startups.
Um contra exemplo da Amaro são as Lojas Renner, que mesmo com um modelo de negócio menos disruptivo, tem se mostrado mais resiliente no cenário econômico atual.
Conclusão
Como diria Warren Buffet sobre falta de planejamento e crises econômicas:
"Somente quando a maré baixa é que se descobre quem estava nadando pelado."
Mas também é certo que, no mundo dos negócios, a máxima que vale é que "quem não corre riscos, conta a história dos outros", pois quem se arrisca é quem movimenta o mercado e colhe os maiores resultados.
Contudo, correr riscos não significa não ter cautela, pois como já dizia Starbuck, sábio imediato no navio do capitão Ahab do livro Moby Dick: "não quero no meu barco nenhum homem que não tenha medo de baleia", se referindo ao fato de que, além da coragem que qualquer empreendimento exige, a cautela também é igualmente importante, se não mais.
Por isso, ter um bom planejamento estratégico e financeiro na sua empresa é fundamental, tanto para negócios novos como para empreendimentos maduros, ao garantir o equilíbrio entre o risco e o retorno, para que mais riscos possam ser corridos e mais resultados possam ser atingidos.
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